Dias atrás, divulgou-se em tom de celebração a noção de que a
denúncia de Lula junto ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sequer fora
aceita para um exame prévio num organismo conhecido por iniciativas corajosas,
que já beneficiaram cidadãos do mundo inteiro, inclusive Julian Assange,
criador do Wikileaks. Bobagem.
Como
a própria ONU foi levada a esclarecer em comunicado oficial, a denúncia,
naturalmente em fase inicial, segue as formalidades de praxe. Não houve, até
agora, nenhum julgamento de mérito -- nem era o caso.
A
acusação foi devidamente registrada na instituição, que deu um prazo de dois
meses para uma resposta das autoridades brasileiras. Resumo: ninguém sabe
o que vai acontecer daqui para a frente, mas o caso começou a andar, cumprindo
uma primeira etapa burocrática nos rituais da entidade. Mais uma vez, grandes
jornais brasileiros mostram sua incorrigível capacidade de confundir a
realidade com seus próprios desejos.
A
pressa em dar por encerrado um caso que sequer havia começado envolve um
comportamento fácil de entender pelo espírito vira-lata de parte da elite
brasileira. Ela cultiva um temor reverencial por qualquer iniciativa que possa
comprometer a chamada "imagem do país" em Miami ou Paris, mas não
dispensa a mesma atenção ao que se fala e se ouve na Rocinha ou Osasco.
Para
quem sobrevive num universo feito para poucos, embora alimentado pelo suor de
muitos, os fatos sempre serão menos importantes do que sua capacidade de
escondê-los.
Nos
tempos da censura do regime militar, a imagem externa era uma obsessão
permanente dos generais. Compreende-se. Era a partir do exterior que o país
respirava uma liberdade oprimida por aqui. Em outra fase da história, num país
submetido a lógica opressiva do pensamento único uma denúncia na ONU pode
produzir um efeito semelhante.
Neste
aspecto, a denúncia de Lula tem um impacto único. Sua fonte não é um líder
dissidente, respeitável mas pouco influente, como acontece com a maioria
das personalidades que, sem respostas adequadas da Justiça de seu próprio país,
vão bater às portas de organismos internacionais.
O
caso diz respeito ao mais popular presidente da história do país que abriga a
sétima economia do planeta, um chefe de governo cujo partido venceu quatro
eleições presidenciais consecutivas e por inúmeras vezes discursou na cerimônia
de abertura anual da Assembleia Geral das Nações Unidas. Basta recordar o tom
de aberta desconfiança dispensada ao golpe contra Dilma para prever o
tratamento que a parcela mais respeitada da mídia internacional pode dispensar
ao caso, quando os dados da caçada a Lula forem mais conhecidos.
No
Brasil de 2016, os métodos de investigação da Lava Jato, que estão na base da
denúncia levada a ONU -- são apresentados em ambiente de celebração cívica.
Como é inevitável nessa situação, toda crítica é apresentada de forma
interesseira como falta de patriotismo e mesmo cumplicidade criminosa.
Qualquer
esforço de oxigenar um debate necessário é apresentado como risco e
ameaça. Responsáveis pela animação do espetáculo, os meios de comunicação
tentam construir um ambiente artificial de unanimidade, no qual uma discussão
de base jurídica, que envolve fatos, provas e direitos democráticos, é
apresentada como um julgamento de natureza moral, típico para medidas de ódio e
violência.
Os
brasileiros irão acompanhar com imenso interesse as explicações do governo
Temer sobre episódios mencionados na denuncia, como a condução coercitiva de
Lula e a divulgação de um diálogo com Dilma Rousseff gravado de forma ilegal.
Num ambiente onde os direitos democráticos estão preservados, é complicado
ganhar tudo no grito.
Mesmo
considerando que a ONU é um organismo formado por 195 países, com interesses
econômicos e diplomáticos que tem influência decisiva na tomada de suas
decisões, o que não permite apostar de saída num resultado favorável, é fácil
entender o receio vira-lata diante do caso, certo?
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Marcos Imperial