Quando as ausência transformam-se em possibilidades na vida…
Esses dias, correndo num parque, me deparei com a figura de um pai ensinando sua filha andar de bicicleta. Corajosa que só ela, talvez com seus 6 anos, estava aprendendo a incrível façanha de pedalar sem rodinhas. Acha que é moleza?
Ela ria, ficava brava, desistia, voltava, insistia, caia, ria de novo. O pai acompanhava e respeitava, atento, todas a reações da filha ao novo aprendizado.
A cena estava tão gostosa de ver que parei minha corrida para observar, tanto o gesto do pai como o empenho da guria.
Em determinado momento o pai disse que logo não iria mais segurá-la pelo banquinho, mas disse para ela ficar tranquila em relação a isso, pois o equilíbrio seria só uma questão de tempo.
Pois bem, logo voltaram para a pista. Ela quis tomar mais distância. O pai avisou que seria nessa tentativa que iria soltá-la. Ela disse: “AIMEODEOS!” O pai riu, ela riu, mas de nervoso, e eu ri, sozinho, na minha.
A pedalada começou, a bicicleta tremia, o pai corria do lado com uma das mãos no banco e então a mágica: ele a soltou SEM DEIXAR ELA PERCEBER!
Uns instantes depois ela, sorrindo, inocente, falou: “PODE SOLTAR!“ E o pai gritou de longe: “JÁ SOLTEI!“ E ela gritou: “AI MEU DEUS!!!“ E ele respondeu: “CONTINUA QUE VOCÊ TÁ INDO BEM!!!“ E ela tremendo na magrela respondeu: “EU VOU CAIR!!!“ E o pai correndo na direção dela, e rindo um riso leve de orgulho da filha, aconselhou: “JOGUE-SE NA GRAMA!!!“
Foi ela ouvir isso e não deu outra, foi o pulo pela “sobrevivência” mais incrível e fofo que já vi, ao vivo. O pai, aproximando-se preocupado, perguntou se estava tudo bem e a reação dela foi a coisa mais fantástica e engraçada do meu dia. Ela abriu os braços, de olhos fechados, deitada na grama, e gritou: “EU CONSEGUI!!!!“ O pai riu, a guria riu, e eu ri.
Ela levantou rápido, pegou a magrela rosa do chão, olhou firme para o pai e disse: “VAMOS DE NOVO? EU QUERO DE NOVO!!!“ Tipo aquela sensação que dá quando você sai da montanha russa, sabe? Só que numa versão minimalista de uma bike rosa, sem rodinha, num parque pequeno. O pai disse que poderiam fazer aquilo até quando ela quisesse, ou até quando ela não precisasse da grama.
A alegria daquela conquista foi tocante. Me fez pensar em quantas coisas poderíamos viver e sentir se topássemos tirar nossas rodinhas de apoio. Que tipo de grama sustentaria nossos saltos pela “sobrevivência”, e quais seriam as sensações de gritar orgulhosos pelas novas conquistas, mesmo que tenham sido por um instante pequeno. Quais seriam as sensações de saber que aquilo de que duvidávamos é tão possível que daria vontade de tentar de novo, quantas vezes fossem necessárias?
Voltei para a minha corrida, pensei nas minhas rodinhas existenciais, e ao invés de continuar me perguntando inúmeros PORQUÊS… Resolvi me perguntar inúmeros POR QUE NÃO???
No final da minha volta a guria ainda estava lá com o pai. Já estava mais apropriada da bike, tinha aprendido a frear mantendo o equilíbrio. Estava percebendo que era possível, a cada tentativa, conduzir as coisas de um jeito mais leve e natural. Agora ela sabia que era completamente possível e não tirava o sorriso do rosto, nem eu. Àquela altura ela já nem se importava mais com a falta das rodinhas tiradas.
Tem um bigodudo (nietzsche), gente fina pra caramba, que certa vez disse que “o homem que vê mal vê sempre menos do que aquilo que há para se ver”.
Naquele dia agradeci a vida pela menina que cruzou meu caminho limpando meus olhos. De um jeito simples, e sem notar, ela lembrou a um completo estranho que nem toda ausência surge para nos tirar algo.
Têm ausências que existem para nos acrescentar coisas essenciais e necessárias, que não experimentaríamos caso ela não nos fosse imposta.
No caso da guria do parque, foi a ausência das rodinhas na bike rosa.
E nessa nossa grande bicicleta da vida sempre haverão rodinhas que precisarão sair. O que nos compete é admitir que rodinhas são essas.
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Marcos Imperial