Em artigo que ironiza os votos dos deputados a favor do impeachment, Frei Betto ouve de “Deus” que “quem atrapalha a República são aqueles que catam mosquitos no olho alheio e vivem engolindo camelos”; quanto à corrida pela Presidência, prevê a volta do ex-presidente Lula: “o maior eleitor dele se chama Michel Temer”, diz.
247 - Em artigo que ironiza os
votos dos deputados a favor do impeachment, Frei Betto dialoga com Deus: “quem
atrapalha a República são aqueles que catam mosquitos no olho alheio e vivem
engolindo camelos”. Quanto à corrida pela Presidência, prevê a volta do
ex-presidente Lula: “o maior eleitor dele se chama Michel Temer”, diz.
Leia abaixo:
― Deus, o que o Senhor achou de tantos deputados acusados de
corrupção invocarem seu santo nome em vão durante a votação do impeachment na
Câmara?
― Pelo amor de Mim, um horror! Meu Filho se lembrou dos fariseus
hipócritas, aquela raça de víboras.
― O Senhor não está sendo muito rigoroso? São todos cristãos!
― Cristãos eram também Hitler, Mussolini, Franco, Salazar e
Pinochet. Posso não me intrometer muito nas mazelas humanas, mas uma coisa é
certa: ninguém me engana. Não vejo cara nem coração. Fico de olho é na
intenção.
― Mas, pelo menos neste mundo tão descrente, foi um sinal de que
ainda há quem creia no Senhor.
― Creem da boca para fora e de olho no dinheiro para dentro do
bolso, ou de algum paraíso fiscal. Muitos ali adoram o bezerro de ouro, o Deus
do poder, da soberba e da demagogia. Falam em paz e apoiam a bancada da bala.
Pregam o amor ao próximo e estimulam a homofobia.
Carregam a Bíblia debaixo do braço e escorraçam de suas terras,
para espalhar o gado, índios e quilombolas, pescadores e lavradores.
― Homossexualidade então não é pecado?
― Pecado é a falta de amor. Onde há amor, aí Me faço presente.
― Mas há textos bíblicos que condenam a homossexualidade.
― Sim, como há outros que mandam passar ao fio da espada adeptos de
outras religiões, como hoje faz o Estado Islâmico. Cada texto precisa ser lido
dentro de seu contexto. É no mínimo desonestidade intelectual tirar pretextos
preconceituosos de versículos bíblicos escolhidos segundo motivações que negam
a qualquer ser humano a ontológica sacralidade de ter sido criado à Minha
imagem e semelhança.
― Mas o Senhor não se sente lisonjeado com a bancada da Bíblia?
― Nunca deu certo a religião pretender monitorar a política. Por
isso meu filho entrou em choque com Pilatos e o Sinédrio judaico. Há quem
julgue que o cristianismo converteu o Império Romano no século 4º. Foi
contrário: Constantino logrou tornar a igreja uma instituição imperial.
E isso resultou na Inquisição, que pretendeu impor a fé a ferro e
fogo, e em rupturas que hoje o papa Francisco tenta costurar. Política, Estado
e partidos devem ser laicos. Todo fundamentalismo é nocivo. Lembre-se que meu
filho acolheu a mulher samaritana, considerada herege pelos judeus; a mulher
fenícia, tida como idólatra; o centurião romano, adepto do paganismo. Sempre
ressaltando a importância da tolerância religiosa.
― Deus, o Brasil tem jeito?
― Não enquanto houver estruturas injustas. Não importa quem venha a
governá-lo. Podem até colocar remendos novos em pano velho, como esses
programas sociais compensatórios. Aliviam, mas não emancipam. Coço minha longa
barba e pergunto: como, após 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores,
ainda há tantos sem-terra e sem-teto?
― E das pedaladas da Dilma, o que acha o Senhor?
― Ela faz muito bem de dar suas pedaladas matinais. Bicicleta não
polui nem congestiona o trânsito. Quem atrapalha a República são aqueles que
catam mosquitos no olho alheio e vivem engolindo camelos.
― Uma curiosidade, Senhor, já que És um ser onisciente: o Lula
voltará à Presidência?
― O maior eleitor dele se chama Michel Temer.
― O que vai dar no Senado?
― Esse futuro, felizmente, a Mim não pertence! Respeito a liberdade
de voto dos senadores. E que tenham presente que estarão votando também na
moldura que haverá de enquadrar suas biografias nas páginas da história do
Brasil.
― Deus é brasileiro?
― Também, e vota na justiça como fonte de paz.
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Marcos Imperial