Já tivemos a oportunidade de apresentar, em outros escritos, os
principais diplomas legais que versam sobre os animais, tais como a Lei
n.º 9.605/98 e a Lei n.º11.794/2008. A questão, agora, é saber a condição jurídica dos animais, muitas
vezes considerados meras “coisas” sobre as quais incabível qualquer tutela pelo
direito.
Esta concepção, porém, não encontra mais assento no ordenamento
nacional, escorado em múltiplos diplomas que conferem uma especial proteção a
tais seres vivos. Trata-se de uma diretriz constitucional, nos termos do art.
225, § 1º, inciso VII, que impõe o seguinte: “proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade”.
Como se pode notar, o ordenamento brasileiro já conta com um
arsenal normativo suficiente para proteger os animais contra a crueldade,
encontrando reflexos nos Tribunais, evidenciando um adequado tratamento da
matéria referente à tutela da fauna.
Por conta deste contexto, discute-se se os animais podem assumir a
condição de sujeito-de-direito, instituto tradicionalmente associado às pessoas
físicas e jurídicas. A polêmica baseia-se na premissa segundo a qual cães e
gatos, por exemplo, não detêm personalidade jurídica. São entes
despersonalizados. Alguns juristas defendem que há uma incompatibilidade entre
esta situação e a posição de sujeito-de-direito. Outros, ao contrário, não
vislumbram qualquer antagonismo entre as noções, de modo aceitar que animais
assumam esta condição.
De um modo geral, vem prevalecendo a segunda posição. Entes
despersonalizados podem ser sujeitos-de-direito, na medida em que podem sofrer
qualquer espécie de tutela pelo direito. É o caso dos animais, objeto de
expressa previsão legal, inclusive constitucional, conforme já salientado.
Vale relembrar decisão do Superior Tribunal de Justiça, que evocou
o ordenamento para afastar práticas cruéis contra animais, conforme julgado
tomado no REsp n. 1.115.916-MG (2ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJe
18/09/2009), envolvendo o trato de cães e gatos por centro de controle de
zoonoses. Nesta impugnação, convém destacar que a parte recorrente (Município
de Belo Horizonte) evocou o art. 1.263 doCódigo Civil, valendo-se
do raciocínio segundo o qual os animais recolhidos nas ruas são considerados
coisas abandonadas, motivo pelo qual a administração poderia dar-lhes a
destinação mais conveniente.
Tal argumento foi repelido pelo STJ, que ponderou o seguinte: “Não
há como se entender que seres, como cães e gatos, que possuem um sistema
nervoso desenvolvido e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou
seja, que possuem vida biológica e psicológica, possam ser considerados como
coisas, como objetos materiais desprovidos de sinais vitais”. Assim, “a
condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade do equilíbrio
ambiental, mas sim no reconhecimento de que os animais são dotados de uma
estrutura orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor. A rejeição a tais
atos, aflora, na verdade, dos sentimentos de justiça, de compaixão, de piedade,
que orientam o ser humano a repelir toda e qualquer forma de mal radical,
estável e sem justificativa razoável”.